OUTROS "CAUSOS"

STRIP-TEASE NO FUNIL

 

No local onde é hoje a Praça Expedicionário Fernandes, em Paraopeba, o circo de touradas continuava armado no período entre as festas do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora do Rosário, manifestações religiosas que atraiam um grande número de forasteiros à cidade. Uma arena de aproximadamente 50 metros de diâmetro demarcada por uma tosca cerca de réguas de madeira amarradas com cipó em mourões e que tinha, à guisa de tronco, um pequeno compartimento onde eram alojados os touros para o espetáculo. Uma cortina de tecido rústico circundava a arquibancada de tábuas, inviabilizando a visão dos que não tivessem condições financeiras para o ingresso.

Nessas ocasiões era contratado o mais famoso toureiro da região: o Pica-Pau. Indivíduo esguio, atlético, ágil, Pica-Pau desfrutava de merecido prestígio na redondeza. Apresentava-se elegantemente trajado, roupas coloridas justas ao corpo, uma espécie de boina de bicos laterais como seus colegas espanhóis e uma capa de baeta vermelha, ornada com lantejoulas douradas. Não havia touro que ele temesse. Era capaz de executar os mais arriscados malabarismos à frente do animal. Ao final das apresentações, Pica-Pau dominava definitivamente a situação, fazendo a tradicional “pega de costas”, quando se ajoelhava diante do touro e, na arremetida violenta do animal à sua retaguarda, encaixava-se entre seus chifres, prendia-se neles com seus fortes braços, sendo arremetido várias vezes ao ar sem se desprender, até o domínio final do animal ensandecido. Era um verdadeiro delírio...

Seu companheiro, o Elvino, era o oposto do Pica-Pau. Baixinho, meio obeso, cabeça coberta com uma peruca de meia feminina, era a covardia em pessoa.  O seu traje era composto de uma velha camisa do Bela Vista de Sete Lagoas, culote amarelo e polainas apoiadas nos pés descalços. A capa, um pedaço de flanela vermelha, matizada com manchas rosas e alguns remendos e rasgões que a hostilidade das situações sempre lhe impunham. Bastava a ameaça de arremetida do touro, para que ele buscasse proteção no alto da cerca, arrastando a capa sempre pisoteada pelo animal, provocando o riso e apupo do público.

Porém, o Elvino era da terra. Filho do Sr. Antônio e  D. Maria e irmão do famoso Zé Candinha, aproveitava o intervalo entre as festas do Divino e do Rosário para  visitar os pais e passar alguns dias com os amigos na Vargem do Paga-Bem.

E foi numa sexta-feira que a mãe do Elvino lhe pediu:

– Oia meu fio, amanhã eu, a Sá Carlota e a Maria Grussinha vamo lá na Vila comprá arguma coisa pras dispesa. O quirosene tá acabano e só tem meia rapadura e duas cuada de café. Mais tem um pobrema: a Zuina me contô que a Mimosa tá de bizerro novo, sorta no pastinho do Retiro do Dr. Guierme, lá no Funil. Aquela vaca quando tá parida de novo é um capeta. Bate inté na sombra. Cumo sei qui ocê é o mió torero da rigião, quero qui vai tamém pra mode protegê nóis.

– Tá bão, mãe. Me chama cedo. Vô cum a capa, as polaina e o culote, pur que sem eles eu num sô nada...

E lá no pastinho estava a Mimosa, saboreando o capim verde da campina e levantando a cabeça de vez em quando para observar a cria deitada sob uma pequena árvore, do outro lado da estrada. A 15 metros, uma cerca de achas de aroeira, construída para delimitar o espaço da manga de porcos do Dr. Guilherme,  impedia a passagem para uma estratégica fuga da fúria da vaca.

– Dexa eu travessá premero. Se a Mimosa infezá e vié, eu toreio ela e a sinhora mais a Sá Carlota e a Maria Grussinha passa correno – determinou o Elvino.

E a vaca viu o pessoal. Viu e não gostou. Enrijeceu as orelhas, deu uma abanada no pescoço, bufou irada, tomou posição e atacou. O Elvino, mais jovem e já acostumado a esse tipo de situação, correu em direção à cerca, com sua capa esvoaçante presa à mão direita, irritando ainda mais o animal. Não chegou a tempo. Foi alcançado e atingido no traseiro, de baixo para cima, por violenta cabeçada da Mimosa. No embalo, passou por cima da cerca e estatelou-se no poço de lama que os suínos usavam para chafurdar-se.

Refazendo-se do susto que paralisara as três mulheres e procurando safar-se do local, a Maria Grossinha, com seus 68 anos de idade e 1,50 metros de altura, para ter maior mobilidade, levantou a saia até a altura dos joelhos e, sem noção de direção, correu justamente para onde estava o bezerro. A vaca voltou ainda mais agressiva. Abaixou a cabeça, alcançou a anciã pela barra da saia, rompeu com um safanão o cordão que a prendia à cintura e arremessou-a a dois metros de distância, sobre uma viçosa moita de urtiga que existia à margem da estrada.

Como não tinha o hábito de usar roupas íntimas,  a reação das folhas da erva com a pele nua e sensível do local foi imediato e avassalador, irritando violentamente a região e fazendo a Maria Grossinha desfalecer numa posição bastante inconveniente. Como um troféu, Mimosa balançava as vestes estraçalhadas da mulher em seus chifres, bufando e dificultando o socorro à vítima.

Atraído pelos gritos, o Geraldo do Ilídio, encarregado do Retiro, foi ao local, tocou a Mimosa para o curral e levou um cobertor para cobrir as partes desnudas da Maria Grossinha. Com uma corda, içou o Elvino por sobre a cerca e levou todos para sua casa, determinando à sua mulher, Vicentina, passar álcool e talco nas partes da velha atingidas pela urtiga. Água com açúcar foi o tranqüilizante ministrado para amenizar os efeitos do susto da interrompida e catastrófica viagem.

– Ocê cumo torero é pió qui galo capão. Num arresorve nada – censurou a Maria Candinha ao cabisbaixo e enlameado Elvino que foi desmoralizado, mais uma vez, e agora pela própria mãe...