OUTROS "CAUSOS"

O VEXAME DO CAIPIRA APAIXONADO

 

– Cê tá sumido, cumpade Tiburço. Pru onde tem andado, home?

– Tive meio perrengado, cumpade Jacinto. Mais agora tô mais mió, pronto pra otra. O andaço que deu aqui na Mutuca me pegô de cheio. O figo num quiria funcioná e o trem teve preto, cumpade... Mais o qui piorô tudo foi um inchaço no jueio dispois da queda qui levei lá na Taquara...Foi três dias de cama e o qui me levantô foi banhá o lugá cum infusão de foia de carqueja e cataplasma de raiz de pariparoba cum mé de abeia arapuá, qui a Josefa preparô pra mim.

– Ah, é. Eu sube qui isturdia ocê teve lá na Taquara. Que qui ocê foi fazê lá?

– Oia, cumpade Jacinto, eu num divia contá isso pra ninguém, mas ocê é de toda cunfiança e peço pro assunto morrê aqui mesmo...

– Eu num vô cumprometê ocê, cumpade Tiburço. Cê me cunhece desde que nois era rapaz e nunca te traí in nada. Além de tudo, cumo ocê sabe, tenho meus segredinhos tamém...

– Pois é, cumpade. Eu fui lá na Taquara só pra vê a Matirde, aquela menina bonitinha e dengosa que nois conheceu há muito tempo lá na iscola e de quem eu nunca mais se me isquici...

– Mas a Matirde agora é muié casada e cum marido muito brabo, cumpade Tiburço. E ocê sabe que o pessoá da Taquara gosta mesmo é de pinicá e riscá com faca os atrivido e, se tivé otro, já fica marrado no pé de piqui pra sê ripitido o sirviço no dia siguinte...

– É isso mesmo. Mais eu sube que a Matirde tinha mandado o marido pastá e num tinha arrumado otro não. Tamém eu só quiria vê ela, sem otras intenção, pois sei tamém qui a muié é danada de séria...

– E cumé qui foi, viu ela?

– Na sexta-feira da semana retrasada, mandei a Josefa iscová e passá minha rôpa de casamento, engraxei a butina, disamarrotei o chapéu de lebre e no dia siguinte fui isperá a jardinera pra Taquara, lá na curva da cacimba. Iantes eu tinha pegado um frango e panhado uma capanga cheia de quiabo pra levá pra Matirde. Chegá de mão banano num dá né...

– Ocê chegô, viu a muié, intregô o frango e os quiabo e vortô, né cumpade?

– Qui nada, sô. Num foi fáci assim não. Chegano na Taquara, fui informado que a Matirde tinha uma venda de pano no povoado. Fui pra lá, passei na carçada do otro lado da rua umas treis veis, vi a Matirde atendeno os fregueis lá dentro da loja, mas as minha perna tava bamba, o suô frio iscorreno, eu tremeno da cabeça aos pé e quedê corage de intrá... Oia, cumpade, num é qui a diaba da muié tava mais bunita do que quando nóis cunheceu ela nos tempo de iscola? Arta, elegante, jeitos manero, cabelo curtinho, andar facero. Mar cumparano, ela tem inté umas parecença com aquela moça qui teve um disastre de tomove dentro de um túnel, lá na Oropa... Uma tar de princesa Diana de quem já te mostrei o retrato no jorná... Farta só tê o cabelo um pôco mais cumprido e craro, caino pru riba da testa. Pro meu gosto e sem ixagero ninhum, a Matirde é inté mais bunita qui a otra moça...

– Ocê ainda gosta muito da Matirde, né cumpade Tiburço? Pra vê isso tudo numa oiada só é pruquê seu amô supitô cumo uma brabeza de tempestade...

– Bota gostá nisso, cumpade Jacinto! Ela não é cumo a Josefa, qui eu respeito, mais num dá nem pra compará ...

– Intão, que qui cunteceu dispois? Disimbucha logo, cumpade, qui eu tô cum pressa.

– Jeitei o chapéu na cabeça, rispirei fundo e no que arrisurvi intrá, meio zambo das perna e com as vista iscura, eu trupiquei na solera da porta, pirdi o prumo e isburrachei no chão, juntinho dos pés da Matirde. Os quiabo isparramaro pro tudo qui era canto, a imbira que marrava os pé do frango rebentô e ele deu aquela vuada, sentando lá in riba de uma bancada de pano, ispantado e cacarejano feito um doido... No sulavanco do tombo, eu bati com a perna no armário onde tava pindurada umas roupa pronta, o vidro dele quebrô e caiu no meu jueio, dando um taio de mais de seis dedo... Foi uma confusão danada, com a Matirde e os fregueis quereno me levantá e intancá o sangue qui saía pareceno inté um isguicho... Foi aí que a dona da venda me reconheceu e falô dicidida e muito braba:

– Após tanto tempo sem notícias, o senhor me aparece aqui, provocando essa confusão toda! Catarino – ordenô pro impregado – pegue aquele frango, cate os quiabos que o desastrado Tibúrcio esparramou na loja e ponha tudo numa sacola. Mande medicá-lo lá no hospital, acompanhe-o à rodoviária e embarque-o de regresso à Taquara em companhia de seus grotescos presentes.

– Me discurpe, mais eu vim trazê esse frango e uns quiabinho pra sinhora cumê com angu no armoço de dumingo... Cunteceu isso tudo pruquê eu fiquei tão aturduado com a beleza da sinhora, qui pirdi o jeito inté de caminhá... Me deu umas parpitação esquisita, as perna bambiô, as vista iscureceu e eu só dei de si quando tava isparramado no chão, com o jueio todo regaçado, quemano feito fogo...

– Qui vexame, hein cumpade Tiburço?

– É, cumpade Jacinto. Eu só quiria vê a Matirde e dei muita contrariedade pra ela e vergonha pra mim. Mais, apesar de tudo, eu vi e apriciei toda a sua furmusura... Sinti inté o chero de hortelã que saía de sua boca quando ela viu a sanguera e abaxô pra me socorrê e amarrá umas tira de pano no meu jueio... E como ela de pirtinho é bunita, sô... Tinha um perfume de flô de laranjera misturado cum arfazema e manjericão, que meu nariz nunca tinha cherado iantes e eu num vô isquecê nunca mais... A pele da cara dela era viçosa e rosada qui nem uma romã bem madurinha... Os cabelo cortado curtinho tinha um chero agradave de jasmim e tava iguarzinho a cor das asa de tiziu, de tão pritinho que era. Tudo nela era bunito, mais eu só num gostei de uma coisa ...

– Ocê num gostô de quê, cumpade Tiburço?

– Da carça cumprida qui ela vistia. Era desse ticido qui tem o nome de “jeans” e num sei pruquê a gente tem qui lê “dins”. Ocê já pensou a pele macia e dilicada da Matirde roçano naquela lixa? Pode inté saí sangue... Tenho uma girisa danada por esses pano. O danado parece inté côro cru ou feito em tiar de pau, de tão grossero qui é. E o que eu num intendo é qui quanto mais disbotado, sujo e às veis inté rasgado, ele é mais chique... Parece inté invenção de miricano...

– Nisso ocê tem razão, cumpade Tiburço.

– Si um dia eu pudê falá tra veis cum a Matirde, cumpade Jacinto, a primera coisa qui vô pedi é pra ela usá saia ou, se num gostá, carça de viludo, seda ou otro pano macio quarqué. O corpo dela num pode ser martradado assim não... Ela vai sê muito mais facera se sigui os meus conseio...

– Isso mesmo, cumpade. De pano ocê inté qui intende. Mais de muié, é um fracasso...