OUTROS "CAUSOS"

PILANTRAGEM ELEVADA AO CUBO

 

– Óia aqui, Ervira. Cunsigui na reunião do diretório do PSD qui eu seje candidato a vereadô – disse à esposa o José Ferreira do Carmo, o Zé Mulambo como era conhecido no povoado do Mucambo, zona rural de Paraopeba.

– Cê num tá doido não, home? Vereadô é pra gente aperparada e cê nem sabe lê dereito... Assina male-male o nome e só sabe contá dinhero... Isso é pra quem pode fazê dispesa e nóis num tem dinhero e tamo inté deveno lá na venda do Antônio Marqui mais de 70 mirréis sem sabê cumo pagá! E os voto, Izé, onde ocê vai arrumá?

– Pobrema não, muié. Já tô cum tudo ingatiado. Os home disse qui cum 75 voto eu tô eleito. Si ocê cunsigui com a sua famia lá no Cedro Véio uns 15, eu garanto qui o resto eu arranjo. E aí nois arruma nossa vida. Afora os presente qui os vereadô custuma ganhá o salaro é muito bão: 30 mirréis pur sessão. E é duas todo mês. E si tivé riunião istraordinara, mais 10 mirréis pur cada uma.

– E o dinhero pra fazê bulitim cum retrato e outras propaganda? Onde ocê vai tirá?

– Já pensei in tudo. Cê sabe qui os eleitô é muito farso. Promete votá num candidato e vota no otro. Bulitim num funciona pruquê quase ninguém sabe lê. Intonces pra garanti o voto é priciso a gente oferecê um agradinho pra eles. Dá um pé de butina iantes da inleição e sigurá o otro pra dispois, só os coroné pode fazé. Eu num tenho condição. Aí intão eu inventei otro modo de sigurá o voto sem parecê qui tô comprano ele e sem gastá nada... É só apelá pras criança...

– Mas cumo, Izé? – perguntou a Elvira.

– Eu pidi 80 mirréis imprestado pro Otávio da farmaça. O dinhero tá aqui, ó, tudo em pelega de 5. Ocê pega a tisora, corta as 16 nota no meio, guarda bem guardadinho um pedaço qui eu priciso do otro.

– Cê tá doido, home? Istragá dinhero é pecado!

– Faz o qui tô mandano, muié e num discute!

A Elvira fez o que o Zé Mulambo pediu e ele foi à luta. Ensilhou o cavalo, embolsou o pedaço das cédulas e foi até a casa do Bentinho, onde existiam oito eleitores.

– Bom dia, cumpade Bintim...

– Bom dia, cumpade Izé! Vamo apiá.

– Cumade Izabé tá boa, né? E a Creuzinha, cumo vai? Óia cumpade dos dizoito afiado qui tenho ela é a mais bunitinha! Falo isso todo dia para a madrinha dela, a Ervira.

– Bondade sua cumpade. Ela tá é muito criscidinha. Já tá uma mocinha. Foi cum a mãe dela lá em Paraopeba buscá quirosene e açúca.

– Qui pena, cumpade. Quiria tanto botá a benção nela! Mas num vai fartá oportunidade, né?

– Mas o qui trás ocê até aqui cumpade? Hoje é dia de sirviço e num isperava sua visita.

– É, cumpade, às veis a gente tem que visitá os amigo e eu vim vê ocê, a cumade e a minha afiada. Mas elas num tão intonce fica a intenção. Mais eu vim tamém cumunicá qui fui iscuído candidato a vereadô lá in Paraopeba. Quiria não cumpade, mais o Arcide e o Cel. Bernadino tanto insistiu qui eu aceitei. Eles disse qui nois pricisa de uma pessoa pra levá os poblema daqui pra sê risurvido pela Prefeitura e qui eu sirvo muito bem pra isso. É verdade, cumpade. Cê vê que a ponte lá do Poço Verde tá pricisando de uma reforma tem muito tempo. A istrada pra Paraopeba tá toda cheia de buraco e no Saco da Pedra tá difici passá inté cavalero, qui dirá carro de boi. Istrudia o Mané Quirino tombô o carro dele e derramô o mio todo nos buraco. Os home num leva a sério as recramação pruquê elas tem de ser feita por um vereadô da rigião e nóis num tem ninhum...

– Nisso ocê tem razão, cumpade...

– Aporveitei a casião pra trazê procê, pra cumade e os otro inleitô da famia a marmita (cédulas já preparadas para o sufrágio) qui é só botá no envelope e tafuiá na urna.

– Tem um porém, cumpade Izé. Nois aqui in casa vota só nos candidato qui no Arcide ou em quem ele mandá. Si o tempo tivé bão, o partido dele manda buscá a gente aqui e inté dá bóia no dia das inleição. Dispois de cumê a gente vai votá, em purcissão, já cum as cédula nos borso. Às veis tem inté busca pra vê se a gente num tá traino eles e votano notros candidato...

– Mas cumpade Bintim, eu sô candidato indicado pelo Arcide e ele já tá inleito. Vai tê mais de 150 voto e num pricisa de nois votá nele não. O partido é o mesmo dele e as pessoa qui ele tá apoiano é as mesma qui tão iscrita aqui. Presidente é o Getúlio. Guvernadô um tar de Juscelino Cubicheco qui foi inté prefeito de Belorzonte e nasceu aqui pirtinho, in Diamantina. Os deputado é os Vasconcelo Costa, dois irmão lá de Selagoa e o prefeito é o Chico Mouriço, qui todos nois cunhece e é um home sério e danado de bão, cumo o Arcide.

– E cumé que nois vai trocá a marmita deles pur essa qui ocê tá dano? Eles cumpanha a gente inté o lugá das votação...

– É fáci cumpade. Eu truxe aqui esses araminho riturcido chamado clipo procê prendê e iscondê as cédula na cirola, assim ó. Lá dentro da casinha onde tem a urna é tudo fechado e aí oceis inveis de botá no invelope os papé que eles deu, desce as carça, pega os meu e tafuia lá dentro da urna. Isprica tudo direitinho pra cumade Izabé e os minino. É fáci, fáci.

– E as muié, cumé qui faz? Elas num tem cirola...

– Bem, as muié, as muié... pode prendê o clipo onde quizé... E oi, cumpade, ia se me isqueceno. Eu truxe esse agradinho pra Creuzinha comprá uma buneca. É essa nota de 5 mirréis qui mim deu um pobrema danado. O diabinho do Zuíno, meu fio mais novo, cortou ela no meio e num teve jeito dele falá onde foi qui pôs o otro pedaço. Dispois das inleição pego esse pedaço concê, imendo o otro qui o Zuíno iscondeu e qui eu vô achá, troco ela lá em Selagoa no Banco do Brasil por otra novinha in fôia e venho trazê ela pra Creuzinha...

– Tá bão, cumpade!

– Intonces inté dispois das inleição. Tô contano cum os voto seu e de todo o pessoá...

E com esses argumentos o Zé Mulambo visitou todas as casas da região, sempre deixando metade da cédula de 5 mil réis para uma criança.

– Num tô intendeno não, Izé, disse a Elvira. Cumo ocê tá mi contano, nois vai colá as nota. Pruquê mandô cortá elas intão?

– Cê tamém é uma anta, hein muié! Dispois das inleição eu recoio o pedaço das nota qui deixei nas casa dos inleitô. Se eu ganhá, posso inté devorvê todas, intirinha. Mas se eu perdê, qui Deus live-e-guarde, fico trá veis cum elas e falo que o Banco num quis trocá e nóis ricupera o dinhero todo...

– É, Izé, ocê vai longe cumo pulítico...