OUTROS "CAUSOS"

LOBOS REAIS E SACOS AMBÍGÜOS

 

– Ocê aperparô diritinho a matutage e as ferramenta pra nois subi a serra, Quirubino?

– Oia, Migué, tá tudo aí. Inxadão, picareta, dois facão e a labanca. As duas rapadura e a meia quarta de farinha tão dentro das capanga. Binga, fumo e paia macia, tão na argibera. Só farta as lamparina que vamo pegá imprestada do Sô Dico, lá no caminho.

E assim os dois moradores preparavam-se para subir a Serra das Cruzinhas, à busca do tacho de ouro que a tradição dizia ter sido enterrado em uma de suas grutas pelo Capitão Manuel do Paga-Bem, rico bandeirante português que, à falta de herdeiros e pressentindo aproximar-se a morte, enterrara no local.

– Se tudo corrê bem, nois vorta daqui a dois dia, viu Minervina. Num se priocupe não, pois o Migué disse que já foi lá na gruta e é um lugá sem pirigo. Só num disenterrô o tacho pruquê num tava aperparado pra ficá lá mais tempo. Põe a bença nos minino e fica cum Deus, despediu-se o Querubino ao se levantar de madrugada.

– Deus vai ti acumpanhá e num vai dexá que nada de ruim aconteça procê e pro Migué, respondeu preocupada a Minervina.

Subida íngreme, espinhos, cipós e de vez em quando uma cobra atravessando a rota. Até a tarde foi um sacrifício enorme para chegarem na entrada da gruta que ficava no fim de um estreito desfiladeiro margeado por enormes blocos de pedra e que dava passagem somente para uma pessoa de cada vez. Devido ao cansaço, resolveram acampar em um lugar mais plano e começar a escavação no dia seguinte.

E aí começaram a divagar sobre a melhor maneira de como gastar a fortuna que supunham estar lá no fundo da gruta e da qual não tinham a menor noção do imenso valor, segundo os cálculos da crendice popular.

– Oia, Quirubino, se nois achá o tacho de oro, eu vô comprá uma daquelas bota qui tem cara de boi desenhada nos lado e o cavalo pampa do Arcide pra mode disfilá com ele esquipando dispois da missa das dez dos dumingo, lá na Paropeba...

– Pois eu quero é pegá o trem de ferro no Araçá e assisti o jubileu do Sinhô Bom Jesus lá na Congonha, cumo o Zé Gome faz todo ano. Vô ficá lá os treis dia, morando na mió pensão, de preferença in frente a istação, pra iscuitá mais de perto os apito apaxonado quando o maquinista puxa a cordinha lá da máquina, retrucou o Miguel deixando escapar um jato de farinha da careca boca cheia.

Mentalizando outras coisas que revertessem a vida miserável que levavam, ambos adormeceram à luz fraca da lua minguante.

– Acorda, Migué, o sol já nasceu e vamos tafuiá lá na gruta.

– Só vô ali ditrás da moita e já vorto...

– Cê que tá com o facão mais mió, pega a lamparina e vai na frente pra cortá os cipó e eu vô lá atrás carregano as ferramenta... – determinou o Querubino.

– Cê num acha qui os capim aqui tá meio massado, não, Migué? Será onça que tá morano aqui?

– Deve sê o vento incanado na entrada da gruta.

– É, mas tô meio discunfiado. Pra vortá daqui na carrera é muito difici...

E, cem metros à frente, o Miguel foi abrindo caminho na vegetação fechada e já escura da entrada da gruta. Quando já não podia divisar mais o Candinha, gritou:

– Anda dipressa molenga, qui nois tem de cavá, pegá o tacho e vortá hoje ainda...

Assustado com o grito, um lobo que dormia por ali acordou e aos saltos procurou se safar do esconderijo, correndo pelo desfiladeiro em direção à saída.

– Oia o lobo, Quirubino – gritou o Miguel lá do fundo da gruta.

O barulho acordou o outro lobo que também dormia logo abaixo e que, assustado, correu em direção ao companheiro, dando de cara com o Miguel.

– Me vale, Nossa Sinhora!

Largou o facão, apagou a lamparina, deu meia volta e começou a correr na frente da fera. Intercalados, eram o Querubino e o Miguel correndo dos animais e estes, apavorados, sendo acossados pelos dois na rota da fuga.

Foi um alívio no fim do corredor, quando os exploradores, deixando as ferramentas e utilidades, despencaram morro abaixo e os lobos, aliviados da surpreendente invasão, tomaram o rumo contrário.

Agora, juntamente com o tacho de ouro do Manuel Paga-Bem, repousam também no fundo da gruta da Serra das Cruzinhas todos os apetrechos da expedição malograda dos Indiana Jones da época...

Segundo os etimólogos, a palavra “saco” pode ser interpretada de várias maneiras, variando seus sentidos entre jocosos, bizarros, maldosos e também como sinônimo de recôncavo, cavidade funda, gruta, lapa e outros que identificam acidentes geográficos comuns no meio rural.

Em Paraopeba esses locais são conhecidos segundo sua conformação, localização ou estado de conservação.

Examinando as fichas de recadastramento de pequenos fazendeiros e sitiantes do município, em reunião no escritório da recém instalada ACAR, uma estagiária de agronomia perguntou ao Joaquim Caetano:

– Então o senhor é o dono do Saco Sujo?

Na ingenuidade da colocação dos termos da resposta, disse o fazendeiro:

– Não sinhora. O Saco Sujo eu cidi pro meu cunhado Zé Vicente. O qui tenho agora é só um pedaço do Saco Cumprido pois a parte de baxo, do lado de lá do Rego Iscuro, eu passei pro meu fio prantá horta.

– E tem dado resultado?

– Tem nada, sá dona. Com a farta de chuva dos úrtimo ano, os tumate dele num disinvorve. Fica tudo mucho, inrugado e miudinho, pareceno que tá podre. O prijuízo só num é maió pruquê o qui perde nos tumate, ele ganha na muranga e no jiló.

A moça ficou um tanto constrangida e, para tentar desviar o assunto e atualizar-se com as potencialidades da região, perguntou ao Arimatéia:

– O senhor conhece algum lugar nas imediações da cidade que sirva também para a exploração do eco-turismo?

Lembrando-se da antiga fazenda e hoje pousada do Rasgão e ignorando o duplo sentido de seus conceitos, respondeu prontamente o Arimatéia:

– Eu num sei muito bem o qui é isso não. Mas aqui juntinho, na saída antiga pra Cordisburgo inzeste o Rasgão da Dona Cotinha. É um lugá muito bonito e lá nos seus fundo tem uma floresta muito fechada, qui nós chama de Matão, onde nasce uma água amarelada e meio sargada que iscorre inté um açude, logo in frente. Pra num inchê muito e vazá pru riba, Dona Cotinha abre as comporta da represa dele argumas veis pur dia, passano a água perto do Buracão do Zé Ramiro, saracotiano pela discida e derramano lá inbaxo, no rego do cumpade Remundo. A rigião tamém é muito boa pra lavora. O Mané da Chica gostava muito de prantá mandioca pur ali. Parô só pruquê a Dona Cotinha alugou o Rasgão prum fazendero lá de Curvelo, qui se apossô de tudo e ispulsô o Mané, dizeno que num quiria qui ninguém cavucasse mais na propiedade qui agora era só dele...

A estagiária pediu transferência no mesmo dia.