OUTROS "CAUSOS"

DIVÓRCIO SIMPLIFICADO

 

– Bastarde, sô Paulo,,,

– Boa tarde, Natércio. Não vá me dizer que já nasceu alguém por lá e você veio fazer as anotações – respondeu o Sr. Paulo Cecílio dos Santos, escrivão do registro civil de Paraopeba.

Caboclo sério o Natércio. 22 anos de trabalho penoso lá na Fazenda do Quilombo não lhe deram oportunidade para completar os estudos além do 2º ano primário de escola rural. Chegava ao curral diariamente às 5 horas da madrugada, ordenhava mais de 50 vacas, amarrava os latões de leite e prendia-os ao lombo do paciente burrinho Russo. Deixava a carga sobre o barranco junto à rodovia, aproveitando a volta para recolher o vasilhame vazio que ali era deixado pelo caminhão na ida para Cordisburgo. Cuidava depois do trato aos porcos e galinhas, e, depois do almoço, sempre tinha algo a reparar nas cercas da fazenda ou mesmo campear o gado “solteiro” nos pastos mais afastados. Nunca tinha descanso. De domingo a domingo, a labuta era a mesma.

Devido a pressa em enunciar as palavras, o Natércio era mais conhecido por ali como Inriba pois sempre atropelava a última sílaba da palavra na próxima da seguinte, cometendo os mais estranhos e divertidos cacófatos.

Apertando a rédea do cavalo na mão esquerda, o visitante, com um só passo atravessou o estreito espaço da porta à grade que protegia a repartição, não disfarçando a ansiedade e o receio que o traziam até ali.

– Né isso não, sô Paulo.

– Que foi então?

– O assunto qui trais eu aqui é munto mais sério. Istrudia cumecei a tê umas tontera pur causa dumas pontada qui cumeçava na nuca, ia desceno, desceno, inté isbarrá inriba do carcanhá. A tosse de cachorro num me largava e os peito tava todo tapado pur causa de um difruxo brabo. A infrueza e a quintura do corpo tava tão forte que dispois de botá o leite na istrada, num guentei mais e fui pra casa percurá argum ricurso. Dismarrei a imbira qui fechava a porta da cuzinha e nem o Dragão qui dormia dibaxo da tocera de alicrim deu pela minha intrada. Istranhei a farta da Cora mas achei que ela tinha ido pra casa da mãe ou tava no corgo lavano ropa. Mar me deitiei, escuitei uns gimido lá pelas banda do paió. Fiz uma força danada, levantei, fui oiá o qui era e dei de cara com ela e o Zé Candinha fazeno umas coisa qui eu num tenho corage de falá pro sinhô.

– Talvez fosse alucinação em vista da febre que você tinha, disse o escrivão.

– Nera não, sô Paulo. A hora qui vi aquilo o sangue ferveu, isquici da perrenguice e saí feito doidio cafaca na mão atrás do Zé Candinha. Pega daqui, pega dali consigui garrá ele ainda cascarça no jueio. Quando eu tava perparando o gorpe na cacunda do disgramado, ele iscurregô pro baxo da cerca e eu num dei conta de pirsigui mais. Vortei pra dentro de casa e fui logo priguntando pra Cora:

– Que qui oceis dois tava fazeno lá nas paia, ditrás do paiô, sua disavergonhada?

– Né nada disso cocê tá pensano não, Naterço. Eu tava era remendano a carça do Zé Candinha pruquê a mãe dele num dá conta mais de infiá a agúia... Era só caridade, meu bem...

– E é pirciso qui oceis teje pelado e imbaraiado um cuotro pra fazê isso?

E num aguentano mais de tanta raiva, fastei um passo. armei a mão isquerda e dei um tapa na taba do pescoço da Cora. Ela fechô os oio, cambaliô pru canto da cuzinha, firmô otra vez nos pé, garrô a mão de pilão, arribô ela e dirriçô a bruta no rumo de minha cabeça. Eu curcuviei pru lado dereito, baixei cumo pude, sarvei a cabeça mais tomei a cacetada aqui no vazio, inriba do figo.

Num vi mais nada e só dei de si já cum sol assinzinho, quase sumino, acordado pelo João Macaco qui veio me pricurá, istranhano pruquê eu num tinha ido separá os bizerro. Fizero eu bebê um chá de carqueja, cai-na-lama e puaia, adoçado cum mel de abeia arapuá. Pusero no calombo uma cataplasma de urucum misturada cum sebo de bode e broto de cagaitera. A macacoa passô e a premera coisa que se me alembrei foi vim falá cum sinhô...

– Mas você deve procurar é um médico ou mesmo o Otávio, lá na farmácia, pra lhe receitar algum remédio...

– Ieu num vim aqui prisso não. Vim foi pramode o sinhô ajeitá otra coisa pra mim, sô Paulo...

– Ajeitar o que, Natércio?

– Rancá a fôia...

– Não estou entendendo...

– A fôia qui eu, a Cora e as tistimunha assinemo no dia do casamento. O sinhô ranca a fôia, eu quemela e vorto a sê sortero través... Saino daqui vô procurá o padrogusto pra ele fazê a mesma coisa no livro da igreja...

Ieu e a Cora discasa e cada quar vai prum lado...

O qui eu num quero é vivê mais com aquela demoina...